Fontes, mimetismo mediático e omissões: uma interpretação sobre as práticas jornalísticas

Destaque de abertura da edição das 13 horas na rádio Renascença (30-11-2017): “Mário Centeno é candidato à liderança do Eurogrupo”. Seguem-se declarações do primeiro-ministro, António Costa. Igualmente no mesmo dia, também à mesma hora, noticia a Antena 1: “O primeiro-ministro confia na candidatura de Mário Centeno à presidência do Eurogrupo”. Na edição online do Público (30-11-2017), avança o jornal: “Centeno é candidato à presidência do Eurogrupo”. No seu site, adianta o Diário de Notícias: “Centeno é candidato ao Eurogrupo. Carta já seguiu”. A notícia de abertura do Jornal da Tarde, da RTP1, aborda a mesma questão: “Mário Centeno é mesmo candidato a presidente do Eurogrupo. O Governo português oficializou a candidatura e António Costa diz que Centeno tem tudo para ganhar (…).”

A Renascença noticiava: “A crise dos refugiados rohingya está a marcar a recepção ao Papa em Daca, no Bangladesh (…).” (30-11-2017; terceira notícia do alinhamento da edição das 13 horas). Na mesma linha, escrevia o Expresso online (30- 11-2017): “Depois de visitar a Birmânia, o Papa Francisco chegou hoje ao Bangladesh onde vai encontrar-se com refugiados rohingyas, a minoria muçulmana perseguida pela junta militar birmanesa.”E, na RTP1, no bloco informativo do período de almoço, a visita do Sumo Pontífice era apresentada deste modo: “O Papa pede à comunidade internacional medidas eficazes para resolver a crise dos refugiados da etnia rohingya (…)” (décima oitava notícia do alinhamento do Jornal da Tarde).

Estas duas questões que têm vindo a marcar a actualidade nacional e internacional no decurso dos últimos dias e, de modo particular, o acompanhamento mediático das mesmas oferecem-nos pistas acerca de linhas de rumo que a comunicação social tende a seguir para apresentar a informação ao público. Dir-se-ia que são práticas enraizadas e que são sinónimo de uma socialização profissional eficaz face a uma significativa homogeneização do tratamento jornalístico, como discutiremos adiante.

No caso da candidatura de Mário Centeno à liderança do Eurogrupo, com o destaque dado às declarações do chefe de Governo e do Presidente da República, revelam bem a relevância que a comunicação social concede à actividade político- partidária. O que remete, desde logo, para a relação entre as fontes de informação e os jornalistas. Especificamente, a acção das fontes oficiais. Sem entrar numa discussão

alongada sobre os processos de newsmaking, Leon Sigal (1973) escreveu que o conteúdo das notícias depende daquilo que as fontes dizem e do tipo de fontes consultadas (oficiais e não oficiais). Sigal aborda a existência de três tipos de canais informativos: 1) canais de rotina (que vão desde os acontecimentos oficiais aos press- releases e comunicados); 2) canais informais (passando por encontros de associações cívicas às informações de outras organizações noticiosas) e 3) canais de iniciativa (que deriva da vontade dos jornalistas, como no caso de um pedido de entrevista). O autor considera que as fontes de informação dominantes (governo, partidos e tantas outras organizações com peso social) têm um peso muito significativo nas notícias e que outros que são “desconhecidos”, para ganharem algum tipo de visibilidade, recorrem a actos espectaculares, o que os coloca numa situação de desvantagem, pois tenderiam a ser vistos como menos responsáveis que as fontes oficiais.

Sejam responsáveis governamentais, representantes de intersindicais, grupo de pressão, entre outros, há aqui uma grande capacidade destes agentes no desempenho do seu papel de “promotores de notícias” (Molotch e Lester, 1974). Estas entidades recorrem, por exemplo, a conferências de imprensa, encontros com militantes e apoiantes, paradas e jornadas parlamentares para marcar uma posição e influenciar a agenda pública, beneficiando de contactos privilegiados com os media, que serve os dois lados: a ânsia que o poder tem em ser notícia e a necessidade dos jornalistas obterem informação que satisfaça as suas necessidades, se possível em primeira mão. Em bom rigor, os exemplos atrás referidos podem ser categorizados, de acordo com aquilo que Daniel Boorstin referiu nos anos 1960, como pseudo–acontecimentos, na medida em que não se tratam de acontecimentos espontâneos, eles surgem porque foram planeados. Tratam-se, muitas vezes, de situações criadas para serem cobertas pelos media, sendo que o seu sucesso mede-se pela amplitude do tratamento mediático e a sua capacidade de fazer passar os enquadramentos desejados.

Claro que estes desenvolvimentos são indissociáveis de uma crescente profissionalização das fontes de informação. As empresas, as organizações sociais e culturais, mas igualmente os agentes políticos, estão a apostar cada vez mais nesta vertente na expectativa de comunicar melhor com o seu público e apoiantes. No seu estudo sobre o papel dos assessores de imprensa no período da governação de António Guterres, o jornalista e investigador Vítor Gonçalves refere no seu livro Nos Bastidores do Jogo Político que a maior parte desses profissionais que trabalharam com os ministros nesses executivos provinham das redacções de órgãos de comunicação social

(ou, pelo menos, tinham um bom capital de experiência nessa área). Para além disso, Vítor Gonçalves menciona a empatia pessoal com esses representantes políticos como motivo central para aceitarem as funções de assessores de imprensa, bem como a cessação da sua actividade no executivo aquando da exoneração do titular da respectiva pasta. Contudo, não deixa de ser significativo, como o próprio assinala, o poder dos responsáveis da comunicação governamental no timing e forma de apresentação das políticas públicas.

Estes episódios sobre a candidatura de Mário Centeno à presidência do Eurogrupo e a visita do Papa ao Bangladesh, entre outros tantos que poderíamos mencionar (sendo, nomeadamente, dois dos que têm sido mais falados nos últimos dias), evidenciam a capacidade de agendamento (agenda-setting) dos media no mundo contemporâneo. Que até pode parecer um chavão, mas expõe claramente a dimensão que o discurso jornalístico assume na nossa vida quotidiana, no ensejo de alcançarmos algum tipo de orientação num mundo em rápida mudança.

Já não se trata aqui de uma forma de poder absoluto que a comunicação mediatizada teria na determinação dos comportamentos dos indivíduos, de acordo com um modelo pavloviano, tal como há décadas atrás chegou a ser profetizado. Ou seja, assistimos a uma redescoberta do poder do jornalismo, na medida em que esta possibilidade de agendamento procura evidenciar um determinado tipo de efeitos cumulativos a curto prazo que resultam da abordagem de assuntos concretos por parte da comunicação social. Dito de outro modo, os media têm a capacidade não intencional de agendar questões que são objecto de debate público em cada momento (McCombs e Shaw, 1972). A corrida de Mário Centeno para a liderança do Eurogrupo e a deslocação do Sumo Pontífice ao Bangladesh são dois dos temas que estão na ordem do dia e que a classe jornalística tende a ver como dos mais importantes num determinado momento. Como que numa espécie de “olhar para o mundo com os mesmos olhos” para nos dizerem o que de mais significativo se passa à nossa volta.

Este efeito de agendamento parece reflectir-se, num primeiro momento, na definição daquilo que constitui ou não um tema da actualidade e, num segundo momento, no estabelecimento da hierarquia e prioridade do mesmo. Investigações mais recentes abordam que os relatos jornalísticos tendem não apenas a dizer aos cidadãos quais são as principais matérias do momento, mas também sobre como pensar acerca das mesmas. Se a visita do Papa a esse país asiático constitui, por si só, um acontecimento importante, a forma como a crise dos refugiados rohingya foi destacada

pelo chefe da Igreja Católica e o seu poder de influenciar a acção das autoridades locais é-nos apresentada como um sinal do sucesso ou fracasso de Francisco nessa deslocação, não obstante tudo o mais que possa ter dito e feito nesse território.

Numa das investigações que realizou sobre as aberturas dos telejornais nos três canais generalistas (RTP1, SIC e TVI) durante seis meses (de Setembro de 2000 a Março de 2001), Brandão (2002) indica que, por esta ordem, os “Acidentes e Catástrofes”, os assuntos de “Estado/Política Internacional” e os “Problemas Sociais” foram as três categorias temáticas dominantes referentes às aberturas dos jornais televisivos nessas estações. Sem esquecer o peso do “Desporto”, vulgo futebol, que surge em quarto lugar neste estudo. Por outro lado, temas como a saúde, ciência e cultura apresentam valores bem mais reduzidos no que toca à capacidade de se constituírem como assuntos que abrem os telejornais. Outras investigações posteriores do autor tendem a corroborar estas conclusões. Sinal da afirmação de uma informação – espectáculo, cada vez mais influenciada pela ditadura das audiências…

Se há assuntos que irrompem de forma repentina e que são totalmente imprevisíveis, alcançado uma grande atenção mediática, como os acidente e catástrofes, os blocos informativos estão largamente marcados pelas agendas político-partidárias do momento, pela divulgação da acção dos poderes oficiais, pelo lado rotineiro e burocrático de apresentação da informação, por um constante reciclar dos pseudo- acontecimentos, garantindo que é por um reforço da comunicação que os poderes instituídos procuram ultrapassar a sua crise de representatividade.

Ainda quanto à visita do Papa ao Bangladesh, é certo que há uma enorme atenção com repercussão nas capas de jornais, nos telejornais e na Web. Este tipo de deslocações, nomeadamente as viagens do Papa ao estrangeiro, com todo um conjunto de iniciativas que estão programadas e pela preparação que requerem, têm sido algo de estudo e entram na designação daquilo a que Daniel Dayan e Elihu Katz, em Media Events: The Live Broadcasting of History, apelidam de acontecimentos mediáticos.

Para os autores, os acontecimentos mediáticos não se tratam, de acordo com a sua terminologia, de assuntos que são alvo de uma reportagem típica de um telejornal. É mais do que isso. Casos de acontecimentos mediáticos (que acentuam o carácter performativo dos media), ou de telecerimónias como também tem sido tratado em Portugal, são o casamento de Carlos e Diana, os Jogos Olímpicos ou a ida do homem à Lua. Uma viagem do Papa pode ser entendida à luz daquilo que é um acontecimento mediático: não são situações, por norma, concebidas pelos media, uma vez que alguém

os organizou, embora a televisão acabe por os difundir; são situações pré-planeadas, não sendo por isso espontâneas ou inesperadas; são acontecimentos transmitidos em directo, com as audiências a par do guião ou do que se pode esperar; e uma comunhão das pessoas em frente dos ecrãs numa partilha comum de experiências. Apesar das diferenças e nos momentos próprios no que toca à sensação vivida no contacto com essas situações, ressalva daqui a ideia que os media são capazes de determinar os assuntos que estão no topo da agenda e sobre os quais podemos ter uma opinião.

Há um ponto aqui que não queremos, todavia, deixar de abordar e que estas duas notícias a que temos aludido bem destacam: a ênfase que os diferentes meios de informação dão aos mesmos temas. Parece que, apesar da proliferação dos meios, há sempre matérias e ângulos da notícia que são divulgados por todos. Uma espécie de “jornalismo de matilha”, onde todos vão atrás um dos outros.

Ignacio Ramonet (1999) foi um dos que chamou para a atenção que deveríamos dar a essa problemática, referindo-se ao mimetismo mediático. Segundo Ramonet, o mimetismo é uma tendência que se tende a apoderar dos media, impelindo-os a cobrir um acontecimento (qualquer que ele seja) sob pretexto de que os outros órgão de informação estão a dar-lhe importância. Crítico desta visão, considera que esta imitação exacerbada provoca um efeito de bola de neve: ao falarem cada vez mais de um assunto, estes profissionais convencem-se que o assunto é indispensável e central, necessitando dar-lhe mais cobertura, tempo e recursos aos jornalistas. Este cenário tende a provocar uma super abundância de informação, uma espiral vertiginosa até à náusea.

Num artigo no jornal Público, Paula Torres de Carvalho escrevia que se tem vindo a assistir cada vez mais na sociedade portuguesa ao fenómeno do “jornalismo de matilha” (pack journalism). Aponta para a concentração dos jornalistas nos mesmos locais e às mesmas horas para os mesmos acontecimentos marcados pelas mesmas agendas oficiais, entrevistando as mesmas pessoas, destacando os mesmos assuntos e optando pelo mesmo ângulo da notícia. Não raras as vezes, indica a autora, questionam entre si qual o lead que vão avançar para a notícia, seja a seguir a um julgamento, a uma audiência na Assembleia da República ou na sequência de uma conferência de imprensa num qualquer ministério. A necessidade de dar “a” notícia o mais rapidamente possível, assente nesta cultura profissional cronometrizada, deu o seu contributo para que se discuta entre os pares quais os pontos que se devem salientar no relato informativo, sendo que a relevância nas fontes oficiais, que subjaz a uma ideia pré-concebida de credibilidade e autenticidade, sobrepõe-se muitas vezes a outras fontes incapazes de

garantir novos e significativos elementos. Daí, em grande medida, a proximidade ao poder, num jogo que interessa a quem quer ser notícia e a quem quer informar.

Relativamente ao mimetismo mediático, numa referência à realidade portuguesa, assinale-se o estudo de Dinis Alves (2010) e algumas das suas ideias principais. Numa análise empírica, decorrida em 1999, pondo em evidência uma investigação aos telejornais das quatros estações televisivas nacionais (RTP1, 2, SIC e TVI), os espaços informativos da TSF, Antena 1 e Renascença e os jornais diários dos mesmos períodos, Dinis Alves conclui que cerca de 71% da matéria noticiada dos telejornais do período da noite são temas que foram anteriormente tratados pelos outros media. Para além disso, os mesmos são apresentados sem aprofundamento, sem qualquer novidade ou pesquisa adicional. Em suma, a televisão emerge como mostra de outras agendas, pondo a nu todo um conjunto de estratégias burocráticas e rotinas do processo de produção diária da informação.

Naturalmente que se pressupõe que o jornalismo, no contexto de uma sociedade livre, informe os cidadãos e forneça uma plataforma de diálogo e de debate sobre a vida social, política, económica e cultural do nosso tempo. O jornalismo é um elemento estruturante das nossas democracias. Faz sentido que, entre outras coisas, a candidatura do ministro Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo (entretanto já eleito), bem como a viagem do Papa Francisco (simultaneamente líder da Igreja Católica e chefe de Estado do Vaticano) à Ásia sejam alvo da atenção mediática. Divulgar e compreender as iniciativas dos detentores do poder, seja ele qual for, é algo intrínseco ao campo jornalístico. Contudo, é necessário questionar, fazer a pergunta certa, procurar outros ângulos da notícia, ir mais além e não cair, como tantas vezes temos assistido, num (certo) facilitismo, perseguindo as mesmas visões do que se passa, copiando as mesmas abordagens que, aqui e ali, pouco ou nada acrescentam ou esclarecem. A perspectiva de uma socialização profissional eficaz, que mencionámos atrás, vai ao encontro disso mesmo: veja-se a quantidade de peças jornalísticas (na imprensa, rádio e televisão) com títulos semelhantes, a mesma estrutura e dimensão, a aposta nos mesmos enquadramentos (frames) e a mesma selecção de citações e soundbites. É uma constatação diária. Os exemplos atrás descritos revelam isso mesmo.

Como apontamento final desta breve reflexão, e não obstante cada vez mais vermos a televisão por via de novos suportes e assumirmos novos hábitos, remetendo para as conclusões nos estudos de Goulart Brandão e Dinis Alves aqui destacadas, é importante que a televisão, tantas vezes descrita como “uma janela aberta para o

mundo”, não se torne, ela própria, numa “fábrica de silêncio”. Ou seja, que outras vozes, outras fontes e outros temas adquiram outra visibilidade e um outro protagonismo, acentuando outras dimensões da vida comunitária. Seguramente que hoje tudo o que se tornou viral graças às redes sociais encontrou uma dimensão expressiva nos media tradicionais e isso não pode deixar de ser assinalado. Mas é de pluralismo que falamos: assegurar que outros têm espaço e voz no espaço público mediatizado, independentemente do peso e da sua ligação ao poder instituído, tantas vezes “contaminado” pelo discurso de comentadores, com a respectiva ligação a interesses instalados, e que potenciam toda essa estrutura circular da informação (de que o mimetismo mediático é exemplo), que pouco se coaduna com a consolidação de uma democracia deliberativa e transparente.

Bibliografia consultada

Alves, D. (2010). Terceiro Mundo em Notícias – Em Directo do Inferno. Coimbra: Mar da Palavra.
Alves, D. (2010). Promoções, Silêncios, Desvirtuações na TV – A informação ao serviço da estação. Coimbra: Mar da Palavra.

Boorstin, D. J. (1992). The Image: A Guide to Pseudo-Events in America. Vintage. Brandão, N.G. (2002). O espectáculo das notícias. A televisão generalista e a abertura dos telejornais. Lisboa: Editorial Notícias.
Carvalho, P. T. (2010). Contra o “jornalismo de matilha”. Público, 14 de Agosto de 2010. https://www.publico.pt/2010/08/14/jornal/contra-o-jornalismo-de-matilha- 20006937 (Acesso: 05/12/2017).
Dayan, D. & Katz, E. (1994). Media Events: The Live Broadcasting of History. Harvard: Harvard University Press.
Gonçalves, V. (2005). Nos bastidores do jogo político: o poder dos assessores. Coimbra: MinervaCoimbra.
McCombs, M & Shaw, D. (1972). The agenda-setting function of mass media. Public Opinion Quarterly, vol. 36(2).
Molotch, H. & Lester, M. (1974). News as purposive behavior: on the strategic use of routine events, accidents, and scandals. American Sociological Review, vol. 39(1). Ramonet, I. (1999). A tirania da comunicação. Porto: Campo das Letras.
Sigal, L. (1973). Reporters and Officials: Organization and Politics of Newsmaking. Houghton Mifflin Harcourt.

O pontapé de saída da época futebolística e do campeonato das emoções

Para os que estavam a ressacar com a paragem do futebol nacional, agosto é o mês onde tudo volta ao normal, quando é dado o pontapé de saída da nova época futebolística.

O futebol é um fenómeno sociológico de massas enraizado na cultura e no estilo de vida nacional.

Fora das quatro linhas que circundam os campos relvados, onde 11 jogadores de cada lado disputam a entrada da bola dentro da baliza adversária, o futebol joga-se fervorosamente, no dia-a-dia, num retângulo que é Portugal, por milhões de jogadores que são os portugueses e em canais que vão desde conversas de café, discussões entre amigos, comunicação social, internet e redes sociais – vive-se o campeonato das emoções.

A verdade e a mentira dependem do momento, da circunstância e do lado em que se está da barricada – toda a gente tem os seus argumentos, mesmo perante factos.

Citando Blaise Pascal, “o coração tem razões que a própria razão desconhece”, assim é o futebol em Portugal, muitas razões, sem razão nenhuma.

O campeonato das emoções é paralelo à época futebolística – o jogo é totalmente dos adeptos, que quase nunca enchem os estádios, mas que sustentam três jornais desportivos diários, horas intermináveis de debate televisivo diário (sem contar com a transmissão dos jogos propriamente ditos), canais desportivos em sinal aberto, canais desportivos por subscrição, sítios na internet, blogues, influenciadores, grupos de Facebook, etc, etc, etc.

Para além de serem o destaque de agenda da comunicação social, os clubes são, também eles próprios, media. Têm canais de televisão, sites com grandes audiências, newsletters, redes sociais e outros meios de comunicação, que são geridos estrategicamente para gerar imagem de marca, relação com as comunidades e retorno para os seus patrocinadores. Os adeptos, leitores, fãs e influenciadores dos clubes, para além de servirem os espaços de comunicação dos clubes, mexem facilmente com os alinhamentos editoriais dos media convencionais.

Quanto maior for o espaço de comunicação do clube, maior a sua capacidade de projetar a sua marca, envolver adeptos e reforçar os seus argumentos junto dos seus patrocinadores, garantindo-lhes visibilidade e engagement.

Apesar da ambiguidade duma provável relação direta entre resultados desportivos e gestão de marketing, o que é certo é que quanto mais valorizado for o clube como marca, melhores são os seus resultados desportivos.

A explicação é simples e até bastante objetiva, existindo maior capacidade de envolver adeptos, e patrocinadores, mais dinheiro entra para fazer a gestão desportiva propriamente dita.

O marketing não gere um clube ao nível desportivo, os jogos ganham-se dentro do campo, mas, é fora do campo que está o campeonato das emoções, ou seja, o ativo mais valioso gerado em torno deste fenómeno do futebol, pelo que ajuda muito.

Pós – verdade e notícias falsas na era dos media digitais

Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo
Abraham Lincoln

Do ponto de vista internacional, o ano de 2016 foi marcado por um conjunto de episódios e outras ocorrências que já se arrastavam no tempo, mas que foram alvo de uma progressiva atenção mediática, não só pela novidade e/ou efeito surpresa, mas também porque o nível de atrocidade atingiu níveis sem precedentes, continuando a marcar a agenda pública. Neste sentido, encaixam-se aqui como exemplos a crise dos refugiados, a guerra na Síria, o Brexit e a eleição de Donald Trump, no passado mês de Novembro, para a presidência dos Estados Unidos. Tratando-se de factos externos à maior parte dos países, estes acontecimentos estão a moldar as políticas públicas nacionais, especificamente sobre qual a forma de responder a todos estes novos desafios, alimentando correntes populistas e procedendo a uma instrumentalização dos novos e velhos media por parte de instituições oficiais, como daremos conta mais adiante de alguns casos específicos.

É na sequência de factos que definiram o ano passado, como o referendo do Reino Unido à integração europeia e a vitória de Donald Trump, e tudo o que foi dito e publicado sobre essas matérias, que a expressão “pós – verdade” foi escolhida como a palavra do ano pelos Dicionários Oxford. Estamos perante duas situações que foram alvo de uma extensa cobertura mediática e de grande discussão e debate nas redes sociais. Susan Rubin, referindo-se a um estudo da Cision que, durante 30 dias, começando no final de Maio até 24 de Junho de 2016, monitorizou as conversas sobre essa consulta popular britânica, tendo reunido mais de 10 milhões de notícias e referências nos social media. Os dados mostraram igualmente que as consequências económicas e o choque pelo resultado da votação foram os principais tópicos da conversação nas horas seguintes. E que todos os países citados no estudo desenvolveram sentimentos claramente negativos quanto ao Brexit.

Seja pelas notícias divulgadas relativamente a esse referendo ou à campanha presidencial americana, muito se questionou acerca da veracidade da informação divulgada, o tipo de apelos que eram feitos, a origem e a intenção das fontes. Francis Fukuyama considera que, se é verdade que os políticos procuram muitas vezes esconder ou distorcer a verdade, Trump levou isso a um extremismo sem precedentes. Mentiu na campanha e nos debates quando havia claramente evidências contrárias (e provas) que contrastavam as suas afirmações. O famoso caso do certificado de nascimento de Barack Obama é apenas um caso quando se sabe que o antigo Presidente nasceu nos EUA.

Mas o que é isto então da pós – verdade? O que representa e o que está em causa, sendo que tende a ser associada ao universo político? A política pós – verdade é uma forma de cultura política, cujo debate é largamente enquadrado pelos apelos à emoção, sem o estabelecimento de uma relação com os detalhes das propostas/medidas, que acabam por ser disseminados (de modo viral), acabando por não ter lugar uma confrontação com os factos. Não sendo um tópico particularmente novo na vida política, tem ganho uma outra dimensão com a afirmação da Internet.

Num ensaio publicado, em 2015, na revista Communication, Culture & Critique, Jayson Harsin indica que assistimos à consolidação de regimes de pós – verdade um pouco por todo o mundo. A globalização, o desenvolvimento na área da tecnologia dos media, da economia política (os mercados), a profissionalização da comunicação política e as mudanças ideológicas (o neoliberalismo) contribuíram para a intensificação desses regimes. A nova paisagem mediática, com audiências fragmentadas, põe em causa a consolidação e perpetuação de visões sobre o status quo. Escreve o autor que, por cada jornal que morre, nascem 2000 novos blogues, Facebook e Twitter feeds. Todas estas novas condições espácio-temporais estão a mudar a produção, circulação e consumo da informação. Esta segmentação e conteúdos dirigidos a públicos específicos fazem com que ganhe sentido falar de “mercados de verdade” deliberadamente produzidos dentro de uma visão geral de regimes de pós – verdade.

A afirmação desses regimes é indissociável da importância e do desenvolvimento do campo do marketing, dos algoritmos e a tendência para participar digitalmente, seja por via dos “gostos”, das partilhas de páginas e da figura do produser. Numa época de crise das instituições, o marketing assumiu-se como uma forma de controlo social. Nas sociedades individualistas de massas, como há décadas se tem vindo a referir o sociólogo francês Dominique Wolton, tem sido crescente a dependência do poder dos algoritmos e as previsões de modelos de dados, cada vez mais complexos que cruzam diferentes informações. Como refere Amoore (citado por Beer no seu livro de 2013), os algoritmos funcionam como meios de dirigir e disciplinar a atenção, focando em certos pontos e deixando de lado todos os outros dados, com a

percepção de tornar possível a tradução de associações prováveis entre pessoas ou objectos em decisões seguras.

Para Jayson Harsin, os media divulgam cada vez mais escândalos, são acusados de estar ao serviço de interesses instalados, de plágio (veja-se o caso do site BuzzFeed), de uma reversão dos critérios de noticiabilidade, cimentando visões mais sensacionalistas das histórias e a consolidação de correntes como o infotainment, como popularizou Kees Brants. Todo um cenário que parece remeter para as primeiras modalidades de jornalismo. Em suma, como diz Harsin, não é que a verdade e os factos tenham desaparecido, mas são objecto de uma luta e distorção deliberada. Existem, nomeadamente, sites que procuram avaliar a veracidade dos factos e o combate aos rumores, embora exista uma grande dificuldade em reunir um conjunto significativo de audiências fragmentadas e a sua respectiva confiança/desconfiança.

A Internet possibilitou uma forma de libertação, com cada vez mais cidadãos a participarem e a fazerem-se ouvir em assuntos de natureza política, social e económica. A informação tornou-se, segundo Francis Fukuyama, uma forma de poder. E as redes sociais aceleraram uma tendência de mobilização que alimentaram várias revoluções. Os próprios Estados viram que era preciso controlar o fluxo de informação, como na China, por via do recrutamento de trolls e introdução de programas de software que introduzem nas redes sociais um conjunto de informações erradas. Tudo isso com o intuito de reforçar o poder de alguns líderes e regimes políticos.

De acordo com Fukuyama, a Rússia foi, em especial no ano de 2016, um dos grandes manipuladores dos social media. Por exemplo, o governo russo lançou falsidades, como o de que os nacionalistas ucranianos estavam a crucificar crianças pequenas. E que várias destas fontes contribuíram para os debates sobre a independência escocesa e o Brexit, visando ampliar qualquer facto duvidoso que pudesse enfraquecer as tendências pró – União Europeia.

Num artigo recente sobre as estratégias do Kremlin acerca do modo como se tornou inseparável a luta política do controlo daquilo que é publicado, Andrew Rettman indica que há grandes grupos mediáticos (entre eles a RT e a Sputnik) que trabalham em conjunto com sites extremistas, bloggers, trolls e bots individuais. Qual o objectivo? Difundir desinformação. Segundo Rettman, há muito que os media russos andam a atacar a França e a Alemanha com centenas de histórias falsas ou distorcidas. Grande parte delas visam provocar repulsa sexual para com as pessoas que pedem asilo e os políticos que os acolheram. Há inúmeros casos com referência à crise dos refugiados.

O caso de Lisa foi dos mais falados. Trata-se de uma rapariga de 13 anos de origem russa residente na Alemanha, que teria sido violada por migrantes no Verão passado. Ela saiu de casa por uns dias e disse à família que tinha sido raptada e violada por árabes. A polícia alemã afirmou que isso não correspondia à verdade e ela confessou, posteriormente, que tinha inventado tudo. Contudo, isto foi noticiado como facto por todas as grandes agências de notícias da Rússia e apoiado pelas autoridades no Kremlin. Esta história circulou durante meses em sites pró – russos escritos em línguas locais por toda a Europa (por exemplo, em checo, inglês e eslovaco) e divulgado ainda mais por trolls e bots russos nas redes sociais. Com isto visava-se denegrir a imagem da chanceler Angela Merkel, uma defensora das sanções à Rússia, ao referir que a sua política de acolhimento de refugiados tinha posto os alemães em perigo.

De outros caos poder-se-ia igualmente falar. A EUobserver estudou 2951 exemplos de fake news russas que foram recolhidos e publicados pela East Stratcom, uma entidade anti-propaganda no serviço de relações externas da União Europeia, desde Outubro de 2015. A maior parte deste material foi definido com o objectivo de legitimar a política externa russa, particularmente a anexação da Crimeia a partir da Ucrânia ou a intervenção militar na Síria. Das 189 que a East Stratcom identificou como tendo alvo directo a França e a Alemanha, 28 (15%) baseavam-se em insultos de cariz sexual contra migrantes e a comunidade LGBT nestes países.

Não deixa de ser significativo que grande parte dessas histórias remetem para questões de ordem sexual, de forma a atrair ainda mais a atenção e a gerar uma maior repulsa. Em Setembro do ano passado, os media russos alegaram, sem qualquer prova, que em muitas cidades alemãs as mulheres tinham receio de sair à rua de noite, com medo de serem violadas por refugiados. Foram divulgadas histórias infundadas sobre violações em massa cometidas por migrantes na Bélgica e na Suécia, o país que acolhe mais refugiados per capita, e que, por causa disto, estes se tinham tornado “a capital de violações na Europa”, segundo as notícias russas. E, de acordo com Andrew Rettman, em Novembro de 2015, um site checo pró – russo dava conta que a Alemanha planeava legalizar a pedofilia na União Europeia.

Por outro lado, não há dados concretos sobre o impacto deste tipo de alegações na opinião pública e a sua atitude perante as instituições e os líderes europeus. Mas um inquérito da Pew, relativo a 2016, revelou que a propaganda russa estava a atrair um número considerável de pessoas na Europa. Segundo essa sondagem, entre 25% e 30% das pessoas em França, na Alemanha, na Itália e em Espanha acreditavam, por exemplo,

que não havia tropas russas no leste da Ucrânia, apesar de todas as evidências em contrário. É de salientar que, até ao momento, também não existem estudos detalhados sobre o modo como os media russos colaboram com sites extremistas e bloggers, quantos editores são agentes do Kremlin e quais reproduzem conteúdos falsos porque acreditam neles. Quem está orientado para a desinformação? Quem está a alcançar os opinion makers? São um conjunto de questões de resposta difícil e que levará tempo até se apurar a verdade. Podemos também interrogar-nos do seguinte: não estarão outras democracias ocidentais a adoptar, aqui e ali, em situações específicas, estratégias semelhantes às da Rússia neste capítulo?

Aquando do Brexit e da campanha presidencial americana falou-se que o Facebook estava a ser incapaz e negligente no combate à disseminação de notícias falsas na Internet. Na rede ganhou expressão, e através do efeito viral das redes sociais, que o Papa Francisco era um apoiante da candidatura de Donald Trump à presidência dos EUA. Que não correspondia à verdade, nem o Sumo Pontífice tinha sequer abordado o tema.

Em Janeiro de 2017, as autoridades da Alemanha comunicaram que iriam ser o primeiro país, fora dos EUA, a ter um filtro de notícias falsas no Facebook. Num ano em que há eleições nesse país, essa rede social informou que iria começar a testar essa ferramenta. O que está previsto é que os utilizadores alemães do Facebook possam denunciar uma história como sendo falsa. Depois de sinalizadas, são encaminhadas para o “Correctiv”, uma plataforma externa à rede social que vai confirmar se a história é verdadeira. Tratando-se de uma notícia falsa, a publicação passará para segundo plano no feed do Facebook. O que se pretende é que, mediante as partilhas dessas histórias, os utilizadores recebam um aviso de que estão a divulgar um conteúdo que pode não ser verdadeiro.

Em síntese, o ano de 2016 ficou marcado pela afirmação da ideia da pós – verdade (ou mundo pós – facto, para outros) em que as fontes de informação idóneas foram desafiadas por factos contrários de qualidade e origem duvidosa. A perspectiva de que a verdade acaba sempre por emergir parece hoje nitidamente posta em causa num mundo de trolls e de softwares de divulgação enganosa nas redes sociais. Segundo Fukuyama, estima-se que entre um quarto e um terço dos utilizadores do Twitter se enquadram nesta categoria. Mas qual o motivo para acreditarmos na veracidade de quaisquer factos? Apesar de alguns problemas graves, não pode deixar de ser salientado que existem instituições imparciais responsáveis pela produção de informações factuais

em que confiamos. Órgãos de comunicação social, como o New York Times, têm sistemas preparados para evitar que erros factuais flagrantes apareçam impressos. Todavia, Fukuyama duvida que outras organizações estejam a ter a mesma atenção e refere o exemplo da Breitbart News (que havia sido liderada por Steve Bannon, antes da tomada de posse de Donald Trump, e que é hoje um dos seus principais conselheiros), conotada com grupos da direita ultra-nacionalista, não acreditando que tenham equipas de verificação de factos e que investiguem a exactidão do material divulgado nos seus sites.

É cedo para fazer um balanço, até porque só passaram três meses desde a sua tomada de posse, mas muitos questionam a forma como Donald Trump diz uma coisa e noutro momento é capaz de dizer exactamente o seu contrário. Por exemplo, recusou-se a aceitar a credibilidade dos serviços de informação americanos que culpavam a Rússia de piratear o Comité Nacional Democrata. E, por outro lado, tende a divulgar e a replicar (nomeadamente no Twitter, onde contabiliza mais de 15 milhões de seguidores) informação inexacta ou falsa (como um atentado na Suécia) a partir de sites ou outros órgãos de comunicação que não procederam a uma verificação prévia daquilo que publicam ou difundem. É provável que não fique por aqui…

Bibliografia consultada

Beer, D. (2013). Popular culture and new media. The politics of circulation. New York: Palgrave Macmillan.
Brants, K. (1998). “Who’s Afraid of Infotainment?” European Journal of Communication, 13(3).

Fukuyama, F. (2016). O aparecimento de um mundo pós-facto. http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/o-aparecimento-de-um- mundo-pos-facto-5575599.html (acesso: 25/04/2017)
Harsin, J. (2015). “Regimes of Posttruth, Postpolitics, and Attention Economies”. Communication, Culture & Critique, 8(2).

Rettman, A. (2017). Sexo e mentiras: as notícias da Rússia sobre a UE. https://www.publico.pt/2017/04/21/mundo/noticia/sexo-e-mentiras-as-noticias-da- russia-sobre-a-ue-1769631 (acesso: 25/04/2017)

Rubin, S. (2016). Brexit Sparks Global Financial Concerns: A Look at Social Reaction. http://www.cision.com/us/2016/06/brexit-sparks-global-financial-concerns-a-look-at- social-reaction/ (acesso: 25/04/2017)

Comunicação H2H: a humanidade está na moda

A Comunicação de Humano para Humano (H2H) é apresentada como uma tendência para este ano de 2017.

Deixar de reduzir as estratégias de Comunicação a gavetas de interlocutores e, sobretudo, deixar de reduzir os interlocutores estratégicos aos businesses (B2B) ou aos consumers (B2C) pode ter grandes vantagens. Na teoria, e também na prática, esta tendência reconhece o espectro de agentes estratégicos numa nova escala, abrindo os seus horizontes ao universo Humano (que é uma amostra bastante maior), e oferecendo à Comunicação (oficialmente, sob a forma de uma tendência) a merecida democratização.

Neste novo universo tudo deve ser personalizável, parametrizável, pessoal. Cada momento de Comunicação, directo ou remoto, escrito ou falado, é uma concretização estratégica. Para lá do cumprimento estandardizado de uma parte do plano, é um esforço de leitura do outro, uma activação optimizada para chegar àquela pessoa e não outra. Neste universo todas as comunicações e todos os interlocutores importam. Como se cada pessoa fosse um vendedor ou comprador porta-a-porta, não só de produtos mas também de ideias ou valores, e agora em todos lugares. Cada momento visto como uma oportunidade, concretizada ou perdida, para criar uma influência, ou para reproduzir uma cadeia de influências.

Esta revolução estratégica do público-alvo formaliza a sua conversão numa enorme multidão de indivíduos. Um exercício de reconhecimento dos rostos dos interlocutores, e da assunção do poder de cada um dentro do seu grupo, e face ao seu grupo.

Mas não é só o destinatário que ganha um rosto. Também o remetente, a empresa, se concretiza de forma diferente em cada pessoa, tornando humana e individual a voz corporativa. Talvez esta tendência consiga consolidar a ideia de que a empresa se materializa e se pronuncia através de cada um dos seus agentes, de forma transversal, na sua condição particular de cartão-de-visita, de porta-voz. Desde a pessoa que abre a porta da rua até à pessoa que elabora o plano de Comunicação, mesmo que não seja até aqui oficial que ambas devam incorporar a mesma estratégia. Sim, dentro de portas, onde também há Humanos estratégicos para o plano, o H2H poderá (deverá) trazer novas e melhores formas de interação.

Depois de todas as vertigens tecnológicas, e de todas as obsessões globalizantes, observa-se no mundo desenvolvido um movimento de retorno às origens. Quando muitos negócios regressam ao rural, muitas modas apelam às matérias-primas naturais, as cidades e os países exibem as bandeiras da identidade e da tipicidade, e o vintageestá em alta, nada faria mais sentido para a Comunicação da empresa do que retornar ao Humano. E tenho para mim que cada esforço neste sentido valerá toda a sua pena.

A empresa tem de deixar de ser o menino que fala com pessoas do outro lado do mundo sem conhecer o vizinho. Não pode haver nada mais indicado para um fresh start da Comunicação do que regressar a casa, e tratá-la com a visão amadurecida de quem já viajou por outros destinos. Estou certa de que, potenciada pelo engenho tecnológico, e apoiada por gigantes bases de dados, capazes de gerar análises a escalas nunca antes possíveis, a Comunicação de Humano para Humano terá muito para dar. A ponto de ser uma tendência que talvez devesse ter sempre existido, e que nunca venha a deixar de fazer sentido.

O que está a mudar na comunicação empresarial?

1.      DATA DRIVEN COMMUNICATION
Os dados são o ouro do século XXI. A utilização de dados pessoais, demográficos ou comportamentais para personalizar as mensagens a cada indivíduo, estarão na base da comunicação entre marcas e consumidores.
Empresas como a Google e Facebook preparam-se para dominar o mundo dos dados, guiados por inteligência artificial para uma comunicação personalizada, dinâmica e interativa.

2.      ACTIONABLE INSIGHTS
Através de plataformas gráficas atualizadas em tempo real, o comunicador conseguirá estudar o comportamento dos utilizadores face aos seus conteúdos, planear e interagir com os consumidores em função de cada padrão comportamental.

3.      PAID MEDIA, NATIVE ADVERTISING, SPONSORED ARTICLES
As histórias pagas pelas marcas que já são uma prática corrente na blogosfera, estarão cada vez mais presentes nos media tradicionais, farão parte dos planos de PR e estarão na base dos modelos de negócio dos media modernos.

4.      SALES LEADS
A ligação entre histórias pagas e o call to action, vai permitir que a medição do resultado das RP, seja feita por métricas bastante mais objetivas do que as impressões, Advertising Equivalent Value ou mesmo engagement – O número de leads comerciais gerados e a sua conversão dentro do funil das vendas, é a métrica que todos vão querer usar.

5.      VR – VIRTUAL REALITY
De um dia para o outro os equipamentos para VR passaram a ocupar um lugar de destaque nas lojas de gadgets.
O próprio Facebook vai desafiar os seus utilizadores para interações sociais num mundo virtual.
Experiências imersivas e sensoriais ou interação entre o mundo real e virtual é o desafio que se coloca não só aos principais players desta indústria, mas também às marcas que queiram fazer parte da experiência.

6.      H2H COMMUNICATION

Em contrapeso com o avanço tecnológico que o setor vai protagonizar, a comunicação efetivamente estará centrada na capacidade de interagir de pessoa para pessoa.
Personalização, emoção e autenticidade são os ingredientes fundamentais ao storytelling.

 

Relações Públicas: entre a disciplina e a visão técnica de um domínio de comunicação

Há pouco mais de seis anos, em Outubro de 2010, estalou uma polémica a nível nacional a propósito da ideia de relações públicas, que mereceu comentários por parte da academia e de associações de profissionais da área. Tudo por causa das declarações de Adriano Duarte Rodrigues enquanto arguente das provas públicas de Nuno Goulart Brandão, que decorreu no ISCSP.

A lição de Goulart Brandão intitulava-se “As relações públicas e os papéis relacionais com os media”. Num artigo de opinião no Diário de Notícias José Nuno Martins cita Adriano Duarte Rodrigues que, aludindo à disciplina de relações públicas, se referiria “às mulheres de vida pública”, às “relações” usuais em “casas de passe” e às “relações privadas; talvez, até, relações mais íntimas entre dois corpos”.

Ora, estas considerações mereceram o repúdio de investigadores e de profissionais do sector. A Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (SOPCOM), por exemplo, criticou a visão “diminuída” e “retorcida” de Duarte Rodrigues sobre aquilo que são as relações públicas enquanto domínio do conhecimento. Por outro lado, a APCE (Associação Portuguesa de Comunicação de Empresa) apelidou de “insólitas e ofensivas” as declarações do então professor da Universidade Nova de Lisboa sobre a profissão de relações públicas. Duarte Rodrigues ainda se tentou defender, alegando que as suas afirmações foram retiradas do seu contexto, mas a confusão estava lançada.

Este episódio reforça a necessidade de estabelecer o significado dos conceitos e combater o estigma de posições pré-definidas, que pouco ou nada acrescentam. E como ainda hoje se banalizam certas ideias, como o vencedor de um concurso ser o novo “relações públicas” de um bar ou discoteca… Posto isto, as relações públicas são uma prática profissional e um sub – campo da comunicação, sustentada numa base teórica e uma linha de investigação própria. Contudo, não pode deixar de se salientar que a sua sistematização como disciplina tem sobretudo crescido apenas nos últimos quarenta anos.

As relações públicas podem ser definidas como uma função de gestão que identifica, define e mantém relações benéficas mútuas entre uma organização e os vários públicos no qual depende o seu sucesso ou fracasso (Cutlip, Center & Broom, 1985). Do lado dos profissionais, a Public Relations Consultants Association (PRCA), do Reino Unido, define as relações públicas como reputação. Ou seja, são o resultado daquilo que a organização é, diz, e daquilo que os outros dizem sobre ela. Elas são usadas para estabelecer confiança e compreensão entre a instituição e os seus públicos. Qualquer que seja a definição, teórica ou profissional, subsistem um conjunto de expressões centrais nas duas perspectivas: relações (trocas), comunicação (tornar comum), intencionalidade, processo e continuidade, organização, planeamento, e públicos (grupos). E, tratando-se de uma área tão vasta, podemos identificar cinco modalidades distintas de relações públicas: relações públicas financeiras, relações públicas do consumidor, comunicação de crise, relações públicas governamentais (políticas) e relações públicas internas.

O interesse e o debate em torno desta disciplina e área de actividade é indissociável das mudanças políticas e económicas das últimas décadas, desde logo os rumos de uma nova economia global, a expansão de regimes democráticos, a emergência e consolidação de poderes transnacionais (políticos e económicos), a internacionalização dos mercados, o desenvolvimento tecnológico e a generalização do uso da Internet como meio de comunicação nas organizações e na sociedade, com consequências ao nível dos processos laborais, de produção e de socialização (Sebastião, 2012).

Em Portugal, crê-se que a instalação de um conjunto de multinacionais deram o seu contributo para introduzir as relações públicas em Portugal por volta de 1959/60, bem como o governo português de então que criou o primeiro gabinete de relações públicas no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). Outro sinal das raízes das relações públicas no nosso país foi a constituição da primeira associação profissional do sector em 1968, a SOPREP. Criada inicialmente por um grupo de quarenta membros, atingiu o número de 188 associados em 1979. A isso soma-se um progressivo aumento da oferta de cursos superiores. As relações públicas entram nos curricula secundário e universitário, nomeadamente a partir da década de 80, juntando- se à oferta educativa da publicidade, da comunicação audiovisual e do jornalismo. Porém, são poucos ainda os cursos na área das ciências da comunicação que incluem na sua denominação a expressão “relações públicas” (Gonçalves, 2009).

Como foi atrás mencionado, o desenvolvimento tecnológico e, de modo particular, dos meios de comunicação introduziu novos desafios nas relações entre as organizações e os públicos. A evolução do estudo das relações públicas caminhou ao lado da evolução dos media. No passado, a investigação nessa área estava normalmente associada com os jornais e a televisão, que eram os meios dominantes nessa altura. McCombs (1978) defendia que o papel de agendamento dos media (TV e jornais) na formação da opinião pública podia oferecer oportunidades de relações públicas quando os assuntos estão a começar a emergir no espaço público. Com o advento da Web, no começo dos anos 90, despertou-se para o papel da Internet nas relações públicas (Wang, 2015). A Internet tende a fortalecer o poder dos stakeholders e a potenciar a habilidade das organizações para recolher a informação, monitorar a opinião pública, aumentar a identidade corporativa e estabelecer diálogos com seus públicos-alvo (Van der Merwe, Pitt & Abratt, 2005).

Um sinal de todo este desenvolvimento tecnológico é visível na força das redes sociais e no modo como elas estão a influenciar a vida das pessoas e da sociedade como um todo. De acordo com o Pew Internet Project (2014), 74% dos adultos que navegam na rede usam as redes sociais (dados do começo desse ano). Por exemplo, o Twitter teve mensalmente 284 milhões de utilizadores activos nos últimos quatro meses de 2014 e 500 milhões de tweets foram enviados por dia. Estas práticas não podem passar despercebidas aos profissionais de relações públicas e os estudos mostram que estes tendem a utilizar as ferramentas de social media mais em voga.

Muitas organizações procuram utilizar as redes sociais como uma ferramenta de comunicação para construir relações com os seus clientes/apoiantes, mas também não são raras as vezes em que os social media se tornaram importantes plataformas para a realização de campanhas de comunicação pública. Um caso que podemos salientar é o da empresa Dell e a sua campanha Digital Nomads (o facto dos portáteis tornarem as pessoas numa força de trabalho móvel nómada). Contrariando a perspectiva unidireccional dos media tradicionais, a comunicação na época dos social media não é apenas interactiva, é também participativa, pessoal e colaborativa. Pode, quando bem delineado, garantir às instituições uma maior capacidade de diálogo com os indivíduos. Dito de outro modo, neste cenário que somos confrontados, as relações públicas vieram encontrar no ciberespaço uma outra extensão para divulgar conteúdos, receber utilizadores, organizar agendas comerciais, divulgar a programação de eventos e comunicar com o novo público.

Interessa-nos aqui igualmente discutir, no seguimento do que foi exposto, quais as exigências que se colocam aos profissionais de relações públicas num ambiente em mutação constante, dando eco à experiência portuguesa. O que se espera de um profissional dessa área é que desempenhe funções de diferentes tipos: de representação (inclui todo o tipo de mensagens – escritas, faladas e visuais – produzidas na comunicação com os públicos); de negociação (por via do diálogo, a procura do entendimento comum); de pesquisa (realização de diagnósticos da situação envolvente); e de aconselhamento ou assessoria estratégica.

Salvador da Cunha (citado por Sebastião, 2012), antigo presidente da APECOM, abordando a situação nacional, dá conta de um crescimento da consultoria em comunicação e relações públicas, que se deve em grande medida a uma maior maturidade enquanto ferramenta de gestão. Mas, por outro lado, há um conjunto de problemas que persistem: uma fraca especialização das agências no trabalho que desenvolvem; uma grande erosão dos preços, que põe em causa o serviço prestado aos clientes e a dificuldade da inserção da profissão no tecido empresarial, uma vez que muitas pequenas e médias empresas, em momentos de crise económica, acabam por desinvestir nessa área de comunicação.

O que se espera, então, de um profissional de relações públicas? Salvador da Cunha indica que esse profissional deve ter três características fundamentais: 1) dominar os temas, estando sempre actualizado e informado; 2) estar por dentro da realidade empresarial dos clientes e saber utilizar as relações públicas como uma ferramenta de gestão, para que consiga gerir adequadamente as expectativas dos stakeholders; 3) procurar ter uma boa rede de contactos com jornalistas e líderes de opinião. Mariana Victorino (igualmente citada por Sebastião, 2012) reforça algumas dessas competências dos profissionais de relações públicas: compreender bem o negócio dos clientes; adaptar-se ao modo de funcionamento de cada empresa e ao perfil de cada cliente; e estabelecer relações estratégicas com os jornalistas. Entre os serviços mais procurados prestados pelas consultoras de relações públicas encontram-se a assessoria de imprensa (o desejo de garantir uma amplificação mediática das acções das organizações – clientes), a comunicação de crise, a comunicação interna e a organização de eventos.

Também em Portugal, a comunicação digital se tem assumido como a grande tendência de relações públicas. Para Fernando Rente (ver Sebastião, 2012), um outro conhecido consultor na área, as relações públicas online visam definir estratégias que optimizem as relações que uma dada empresa ou marca cria com o seu público-alvo nas redes sociais. Assim, espera-se que o profissional de relações públicas consiga interpretar os insights da parte dos públicos em tempo real e encarar as redes sociais como mais um dos canais de comunicação e adequá-los aos objectivos, aos targets e às mensagens. Rente considera que o relações públicas online deve monitorizar a comunicação, perceber qual o seu impacto na comunicação da empresa e nos resultados da sua actividade. Uma boa presença nas redes sociais implica que as marcas são capazes de produzir conteúdos relevantes para o seu alvo (e não fazer delas um mero repositório de informação disseminada em outros meios) e ter uma boa capacidade de resposta aos desafios com que são confrontadas. No fundo, trata-se de fomentar um conjunto de boas práticas no mundo digital. Acções mal concertadas podem comprometer ou manchar a reputação de uma organização.

Verificamos que o profissional de relações públicas, do ponto de vista prático, tem hoje ao seu dispor uma série de ferramentas online que o ajudam na sua função, passando por fóruns e grupos de especialistas que analisam a comentam as campanhas e estão a par de novas tendências, a redes sociais, a instrumentos que monitorizam as atitudes e preferências na Web, bem como outras ferramentas analíticas de avaliação das mais diversas iniciativas e projectos.

Em suma, cabe os investigadores e aos que fazem das relações públicas uma actividade laboral lutarem para que possam colocar um fim a determinados estereótipos e estabelecerem uma diferença relativamente a outros ramos profissionais (jornalismo, marketing, entre outros). Para além de que é preciso combater outro preceito que, embora hoje não tão recorrente, tem ainda alguma expressão: a associação destas actividades de comunicação com tentativas de ocultação de informação e manipulação da opinião pública.

Referências bibliográficas

  • «Polémica em torno do conceito de “relações públicas”» (2010). Meios & Publicidade.  (Acesso: 09/11/2016).Botan, C.H. & Taylor, M. (2004). Public relations: state of the field. Journal of Communication, vol. 54(4).
  • Cutlip, S.M., Center, A.H. & Broom , G.M. (1985) (6th ed.) Effective public relations.
  • Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.
  • Gonçalves, G. (2009). Strengths and weaknesses of public relations education in Portugal. Estudos em Communicação, n.6.
  • McCombs, M. (1978). Agenda setting function of mass media. Public Relations Review.
  • Sebastião, S.P. (2012). Relações públicas: a comunicação, as organizações e a sociedade. Comunicação Pública, vol. 7(12).
  • Van der Merwe, R., Pitt, L.F. & Abratt, R. (2005). Stakeholder strength: PR survival strategies in the Internet age. Public Relations Quarterly, 50(1).
    Wang, Y. (2015). Incorporating social media in public relations: a synthesis of social media-related public relations research. Public Relations Journal, 9(3).