Há pouco mais de seis anos, em Outubro de 2010, estalou uma polémica a nível nacional a propósito da ideia de relações públicas, que mereceu comentários por parte da academia e de associações de profissionais da área. Tudo por causa das declarações de Adriano Duarte Rodrigues enquanto arguente das provas públicas de Nuno Goulart Brandão, que decorreu no ISCSP.

A lição de Goulart Brandão intitulava-se “As relações públicas e os papéis relacionais com os media”. Num artigo de opinião no Diário de Notícias José Nuno Martins cita Adriano Duarte Rodrigues que, aludindo à disciplina de relações públicas, se referiria “às mulheres de vida pública”, às “relações” usuais em “casas de passe” e às “relações privadas; talvez, até, relações mais íntimas entre dois corpos”.

Ora, estas considerações mereceram o repúdio de investigadores e de profissionais do sector. A Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (SOPCOM), por exemplo, criticou a visão “diminuída” e “retorcida” de Duarte Rodrigues sobre aquilo que são as relações públicas enquanto domínio do conhecimento. Por outro lado, a APCE (Associação Portuguesa de Comunicação de Empresa) apelidou de “insólitas e ofensivas” as declarações do então professor da Universidade Nova de Lisboa sobre a profissão de relações públicas. Duarte Rodrigues ainda se tentou defender, alegando que as suas afirmações foram retiradas do seu contexto, mas a confusão estava lançada.

Este episódio reforça a necessidade de estabelecer o significado dos conceitos e combater o estigma de posições pré-definidas, que pouco ou nada acrescentam. E como ainda hoje se banalizam certas ideias, como o vencedor de um concurso ser o novo “relações públicas” de um bar ou discoteca… Posto isto, as relações públicas são uma prática profissional e um sub – campo da comunicação, sustentada numa base teórica e uma linha de investigação própria. Contudo, não pode deixar de se salientar que a sua sistematização como disciplina tem sobretudo crescido apenas nos últimos quarenta anos.

As relações públicas podem ser definidas como uma função de gestão que identifica, define e mantém relações benéficas mútuas entre uma organização e os vários públicos no qual depende o seu sucesso ou fracasso (Cutlip, Center & Broom, 1985). Do lado dos profissionais, a Public Relations Consultants Association (PRCA), do Reino Unido, define as relações públicas como reputação. Ou seja, são o resultado daquilo que a organização é, diz, e daquilo que os outros dizem sobre ela. Elas são usadas para estabelecer confiança e compreensão entre a instituição e os seus públicos. Qualquer que seja a definição, teórica ou profissional, subsistem um conjunto de expressões centrais nas duas perspectivas: relações (trocas), comunicação (tornar comum), intencionalidade, processo e continuidade, organização, planeamento, e públicos (grupos). E, tratando-se de uma área tão vasta, podemos identificar cinco modalidades distintas de relações públicas: relações públicas financeiras, relações públicas do consumidor, comunicação de crise, relações públicas governamentais (políticas) e relações públicas internas.

O interesse e o debate em torno desta disciplina e área de actividade é indissociável das mudanças políticas e económicas das últimas décadas, desde logo os rumos de uma nova economia global, a expansão de regimes democráticos, a emergência e consolidação de poderes transnacionais (políticos e económicos), a internacionalização dos mercados, o desenvolvimento tecnológico e a generalização do uso da Internet como meio de comunicação nas organizações e na sociedade, com consequências ao nível dos processos laborais, de produção e de socialização (Sebastião, 2012).

Em Portugal, crê-se que a instalação de um conjunto de multinacionais deram o seu contributo para introduzir as relações públicas em Portugal por volta de 1959/60, bem como o governo português de então que criou o primeiro gabinete de relações públicas no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). Outro sinal das raízes das relações públicas no nosso país foi a constituição da primeira associação profissional do sector em 1968, a SOPREP. Criada inicialmente por um grupo de quarenta membros, atingiu o número de 188 associados em 1979. A isso soma-se um progressivo aumento da oferta de cursos superiores. As relações públicas entram nos curricula secundário e universitário, nomeadamente a partir da década de 80, juntando- se à oferta educativa da publicidade, da comunicação audiovisual e do jornalismo. Porém, são poucos ainda os cursos na área das ciências da comunicação que incluem na sua denominação a expressão “relações públicas” (Gonçalves, 2009).

Como foi atrás mencionado, o desenvolvimento tecnológico e, de modo particular, dos meios de comunicação introduziu novos desafios nas relações entre as organizações e os públicos. A evolução do estudo das relações públicas caminhou ao lado da evolução dos media. No passado, a investigação nessa área estava normalmente associada com os jornais e a televisão, que eram os meios dominantes nessa altura. McCombs (1978) defendia que o papel de agendamento dos media (TV e jornais) na formação da opinião pública podia oferecer oportunidades de relações públicas quando os assuntos estão a começar a emergir no espaço público. Com o advento da Web, no começo dos anos 90, despertou-se para o papel da Internet nas relações públicas (Wang, 2015). A Internet tende a fortalecer o poder dos stakeholders e a potenciar a habilidade das organizações para recolher a informação, monitorar a opinião pública, aumentar a identidade corporativa e estabelecer diálogos com seus públicos-alvo (Van der Merwe, Pitt & Abratt, 2005).

Um sinal de todo este desenvolvimento tecnológico é visível na força das redes sociais e no modo como elas estão a influenciar a vida das pessoas e da sociedade como um todo. De acordo com o Pew Internet Project (2014), 74% dos adultos que navegam na rede usam as redes sociais (dados do começo desse ano). Por exemplo, o Twitter teve mensalmente 284 milhões de utilizadores activos nos últimos quatro meses de 2014 e 500 milhões de tweets foram enviados por dia. Estas práticas não podem passar despercebidas aos profissionais de relações públicas e os estudos mostram que estes tendem a utilizar as ferramentas de social media mais em voga.

Muitas organizações procuram utilizar as redes sociais como uma ferramenta de comunicação para construir relações com os seus clientes/apoiantes, mas também não são raras as vezes em que os social media se tornaram importantes plataformas para a realização de campanhas de comunicação pública. Um caso que podemos salientar é o da empresa Dell e a sua campanha Digital Nomads (o facto dos portáteis tornarem as pessoas numa força de trabalho móvel nómada). Contrariando a perspectiva unidireccional dos media tradicionais, a comunicação na época dos social media não é apenas interactiva, é também participativa, pessoal e colaborativa. Pode, quando bem delineado, garantir às instituições uma maior capacidade de diálogo com os indivíduos. Dito de outro modo, neste cenário que somos confrontados, as relações públicas vieram encontrar no ciberespaço uma outra extensão para divulgar conteúdos, receber utilizadores, organizar agendas comerciais, divulgar a programação de eventos e comunicar com o novo público.

Interessa-nos aqui igualmente discutir, no seguimento do que foi exposto, quais as exigências que se colocam aos profissionais de relações públicas num ambiente em mutação constante, dando eco à experiência portuguesa. O que se espera de um profissional dessa área é que desempenhe funções de diferentes tipos: de representação (inclui todo o tipo de mensagens – escritas, faladas e visuais – produzidas na comunicação com os públicos); de negociação (por via do diálogo, a procura do entendimento comum); de pesquisa (realização de diagnósticos da situação envolvente); e de aconselhamento ou assessoria estratégica.

Salvador da Cunha (citado por Sebastião, 2012), antigo presidente da APECOM, abordando a situação nacional, dá conta de um crescimento da consultoria em comunicação e relações públicas, que se deve em grande medida a uma maior maturidade enquanto ferramenta de gestão. Mas, por outro lado, há um conjunto de problemas que persistem: uma fraca especialização das agências no trabalho que desenvolvem; uma grande erosão dos preços, que põe em causa o serviço prestado aos clientes e a dificuldade da inserção da profissão no tecido empresarial, uma vez que muitas pequenas e médias empresas, em momentos de crise económica, acabam por desinvestir nessa área de comunicação.

O que se espera, então, de um profissional de relações públicas? Salvador da Cunha indica que esse profissional deve ter três características fundamentais: 1) dominar os temas, estando sempre actualizado e informado; 2) estar por dentro da realidade empresarial dos clientes e saber utilizar as relações públicas como uma ferramenta de gestão, para que consiga gerir adequadamente as expectativas dos stakeholders; 3) procurar ter uma boa rede de contactos com jornalistas e líderes de opinião. Mariana Victorino (igualmente citada por Sebastião, 2012) reforça algumas dessas competências dos profissionais de relações públicas: compreender bem o negócio dos clientes; adaptar-se ao modo de funcionamento de cada empresa e ao perfil de cada cliente; e estabelecer relações estratégicas com os jornalistas. Entre os serviços mais procurados prestados pelas consultoras de relações públicas encontram-se a assessoria de imprensa (o desejo de garantir uma amplificação mediática das acções das organizações – clientes), a comunicação de crise, a comunicação interna e a organização de eventos.

Também em Portugal, a comunicação digital se tem assumido como a grande tendência de relações públicas. Para Fernando Rente (ver Sebastião, 2012), um outro conhecido consultor na área, as relações públicas online visam definir estratégias que optimizem as relações que uma dada empresa ou marca cria com o seu público-alvo nas redes sociais. Assim, espera-se que o profissional de relações públicas consiga interpretar os insights da parte dos públicos em tempo real e encarar as redes sociais como mais um dos canais de comunicação e adequá-los aos objectivos, aos targets e às mensagens. Rente considera que o relações públicas online deve monitorizar a comunicação, perceber qual o seu impacto na comunicação da empresa e nos resultados da sua actividade. Uma boa presença nas redes sociais implica que as marcas são capazes de produzir conteúdos relevantes para o seu alvo (e não fazer delas um mero repositório de informação disseminada em outros meios) e ter uma boa capacidade de resposta aos desafios com que são confrontadas. No fundo, trata-se de fomentar um conjunto de boas práticas no mundo digital. Acções mal concertadas podem comprometer ou manchar a reputação de uma organização.

Verificamos que o profissional de relações públicas, do ponto de vista prático, tem hoje ao seu dispor uma série de ferramentas online que o ajudam na sua função, passando por fóruns e grupos de especialistas que analisam a comentam as campanhas e estão a par de novas tendências, a redes sociais, a instrumentos que monitorizam as atitudes e preferências na Web, bem como outras ferramentas analíticas de avaliação das mais diversas iniciativas e projectos.

Em suma, cabe os investigadores e aos que fazem das relações públicas uma actividade laboral lutarem para que possam colocar um fim a determinados estereótipos e estabelecerem uma diferença relativamente a outros ramos profissionais (jornalismo, marketing, entre outros). Para além de que é preciso combater outro preceito que, embora hoje não tão recorrente, tem ainda alguma expressão: a associação destas actividades de comunicação com tentativas de ocultação de informação e manipulação da opinião pública.

Referências bibliográficas

  • «Polémica em torno do conceito de “relações públicas”» (2010). Meios & Publicidade.  (Acesso: 09/11/2016).Botan, C.H. & Taylor, M. (2004). Public relations: state of the field. Journal of Communication, vol. 54(4).
  • Cutlip, S.M., Center, A.H. & Broom , G.M. (1985) (6th ed.) Effective public relations.
  • Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.
  • Gonçalves, G. (2009). Strengths and weaknesses of public relations education in Portugal. Estudos em Communicação, n.6.
  • McCombs, M. (1978). Agenda setting function of mass media. Public Relations Review.
  • Sebastião, S.P. (2012). Relações públicas: a comunicação, as organizações e a sociedade. Comunicação Pública, vol. 7(12).
  • Van der Merwe, R., Pitt, L.F. & Abratt, R. (2005). Stakeholder strength: PR survival strategies in the Internet age. Public Relations Quarterly, 50(1).
    Wang, Y. (2015). Incorporating social media in public relations: a synthesis of social media-related public relations research. Public Relations Journal, 9(3).

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Analista de media na Cision Portugal.
Licenciado em Ciências da Informação e doutorando em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa.
Tem publicado trabalhos na área da comunicação política.
Gosta de viajar, ler, música e de futebol."